Siddhartha Gautama, o Buddha
Aos 80 anos de idade, Buda pressentiu que morreria de intoxicação, após ingerir um alimento estragado. Com o auxílio de fiéis discípulos, viajou até Kushinagara, deitando-se sob uma árvore no bosque local, onde então Buda fez seu último discurso:
Ó discípulos; Após a minha morte, deveis vos guiar pelos Preceitos. Eles devem ser como a Luz no meio das trevas, como um tesouro encontrado por um pobre. Isso porque os Preceitos são vosso mestre. Guiar-se por eles é o mesmo que se guiar por mim.
Vós que guardais os Preceitos disciplinai vosso corpo, tomai as refeições nas horas certas, vivei em estado de pureza. Não tomeis parte nos negócios mundanos, não recorrais a fórmulas mágicas, não fabriqueis elixires miraculosos, não vos aproximeis de nobres e não tomeis atitudes para com outrem condicionadas por sua riqueza ou pobreza.
Guardai uma mente correta, tende pensamentos corretos e sede comedidos. Não recorrais a prodígios para seduzir as pessoas. Quando receberdes presentes, observai sempre o comedimento.
Os Preceitos são a fonte de libertação. Dos Preceitos saem os diversos estados de meditação e a sabedoria que leva à cessação do sofrimento.
Por isso, ó monges, guardai os Preceitos e esforçai-vos por jamais os violar. Se conseguirdes guardá-los bem, disso resultará a Boa Lei. Se não conseguirdes guardá-los bem, não aparecerão os méritos decorrentes da prática das boas ações. Por isso, deveis compreender que nos Preceitos está a Suprema Tranqüilidade e o Supremo Mérito.
Ó monges, vós permaneceis na prática dos Preceitos. Por isso, devem disciplinar seus cinco sentidos, jamais permitindo o surgimento dos cinco desejos (desejo de se alimentar, de dormir, desejo sexual, desejo de obter fortuna e desejo de conseguir honrarias e fama).
Assim como um pastor domina o rebanho com seu cajado, não permitindo que os animais invadam as plantações, deveis guardar a máxima vigilância. Abandonar os cinco sentidos ao sabor de seus caprichos é como deixar um cavalo indômito sem rédeas. Tal cavalo arrasta as pessoas e as derruba dentro de buracos. O prejuízo causado por um cavalo indômito atinge apenas o presente, mas o causado pelos cinco sentidos atinge inclusive o futuro. Por isso deveis evitá-lo. O sábio vigia seus cinco sentidos como a um ladrão. Jamais se descuida deles. Mesmo que se descuide por um instante, logo readquire o controle.
A mente é senhora dos cincos sentidos. Por isso, deveis disciplinar vossa mente. A mente é mais perigosa que uma cobra venenosa, uma fera ou um salteador. É como uma pessoa que, entretida com o mel que transporta em suas mãos, não enxerga um buraco e cai nele. Se deixardes vossa mente entregue a si mesma, perdereis as boas coisas. Se a vigiardes, tudo correrá bem. Por isso, ó monges, deveis vos esforçar e dominar a vossa mente.
Ó monges, deveis tomar vossas refeições como se elas fossem remédios. Quer quando comeis coisas deliciosas, quer quando comeis coisas desagradáveis, jamais deveis sair da proporção certa. Comei o suficiente para vos manterdes.
Recebendo dádivas alheias, tomai apenas um mínimo para eliminar vossas dificuldades. Não desejais demasiado, a fim de não romper a boa disposição de vossas mentes.
Ó monges, ainda que alguém vos fira, sedes pacientes, não tenham cólera nem ódio. Guarde vossa boca para não proferir palavras ferinas. Abandonar a cólera ao sabor dos caprichos prejudica o trilhamento do Caminho e destrói os méritos. Imensa é a virtude da paciência, muito superior à da observância dos Preceitos. Aquele que bem pratica a paciência merece ser chamado de forte, aquele que se alegra com os venenos do cavalo indômito e não sabe praticar a paciência como quem bebe néctar, não pode ser considerado um detentor da Sabedoria dos Praticantes do Caminho.
Os prejuízos causados pela cólera destroem as boas leis. São prejuízos maiores que os causados por um incêndio devastador. Nem os ladrões que nos roubam os méritos são tão terríveis como a cólera. Os próprios leigos devem se abster da cólera. Com muito mais razão, portanto, os monges, aqueles que não tem desejos, deverão se abster da cólera.
Ó monges, quando em vós se manifestar o orgulho, este deverá ser imediatamente extirpado. Nem sequer os fiéis leigos deverão deixar que o orgulho se desenvolva. Com muito mais razão, portanto, os monges, aqueles que encontraram no Caminho, que se humilham e andam pedindo esmolas para obter a libertação, deverão se abster do orgulho.
Ó monges, a lisonja está fora do Caminho, por isso deveis ser sempre sinceros.
Ó monges, aquele que tem muitos desejos busca muitas vantagens e, por isso, tem muitos sofrimentos. Aquele que tem poucos desejos nada busca e, por isso, não tem preocupações. Por esse motivo, aquele que tem poucos desejos atinge o Nirvana.
Ó monges, se desejais a libertação do sofrimento, deveis aprender a vos contentardes com o razoável. Aquele que sabe se contentar com o razoável se sente bem, mesmo que tenha de se deitar sobre a terra. Entretanto, aquele que não sabe se contentar com o razoável, mesmo nos mundos celestes permanecerá insatisfeito, por isso aquele que sabe se contentar com o razoável é rico, mesmo sendo pobre, ao passo que aquele que não sabe se contentar com o razoável é pobre, mesmo sendo rico.
Ó monges, se quiserdes procurar a calma, o desprendimento e a paz, deveis abandonar os lugares cheios de gente e viver isolados.
Ó monges, se vos esforçardes, nada será difícil. Por isso, deveis esforçar-vos. Mesmo uma pequena correnteza d'água acaba gastando uma rocha.
Ó monges, se desejais a sabedoria e a boa ajuda, deveis ter uma intenção inquebrantável, pois ela afasta as paixões e ilusões. Por isso, deveis manter inquebrantáveis as vossas intenções. Caso fraquejardes em vossas intenções, perdereis vossos méritos. Aquele que tem intensões firmes não é prejudicado, mesmo estando no meio desses salteadores que são os desejos. É como um guerreiro coberto por uma armadura, que nada tem a temer no campo de batalha.
Ó monges, todo aquele que tem uma intenção firme conserva sua mente em estado de concentração. Por isso, ele sabe os Dharmas do nascimento e da dissolução do mundo. Por isso, deveis vos esforçar e praticar as diversas concentrações. Aquele que consegue praticar a concentração não tem uma mente dispersiva. É como aquele que economiza água e guarda com cuidado. O praticante exercita-se na concentração a fim de bem guardar a água da sabedoria.
Ó monges, se tiverdes a sabedoria, não tereis apego. Examinai bem todas as coisas. Dentro da minha Lei, obtereis a Libertação. Quem não tiver a Sabedoria, não poderá ser considerado um realizador do Caminho, nem mesmo um fiel leigo. A Sabedoria é um navio seguro para a travessia do oceano da velhice, da doença e da morte. É uma luz no meio das trevas, é um elixir que cura todas as doenças, é um machado que corta as árvores das paixões. Por isso, deveis vos esforçar para a obtenção do desenvolvimento da Sabedoria.
Ó monges, deveis evitar as estéreis discussões teóricas, pois elas só trazem perturbações à mente. Mesmo os monges não lograrão alcançar a libertação, se se entregarem a elas. Por isso, deveis evitar as estéreis discussões teóricas. Caso desejais alcançar as alegrias do Nirvana, deveis afastar as estéreis discussões teóricas.
Ó monges, deveis vos afastar de toda negligência, como aquele que se afasta dos salteadores. Eu ensino a Lei como o médico que reconhece a doença e recomenda um remédio. O fato de o doente tomar ou deixar de tomar o remédio já não depende do médico. Também sou como aquele que ensina um caminho às pessoas. Se houver pessoas que, embora ouvindo os ensinamentos, não seguirem o caminho, a culpa não é daquele que o ensinou.
Ó monges, não vos entristeçais. Ainda que permanecesse no mundo durante milhares de anos, isso não me livraria da morte. Nada do que se reúne escapa à separação. Já foram ensinados todos os Dharmas que trazem proveito a quem os pratica e todos os que trazem proveito a outrem. Ainda que eu permanecesse vivo, nada mais teria que fazer. Todas as pessoas que eu devia ensinar já foram ensinadas. Quanto às que eu ainda não ensinei, já criei condições para que elas sejam ensinadas. Se vós, meus discípulos, persistirdes na prática da Lei após minha morte, meu Corpo de Lei continuará eternamente vivo.
Deveis saber que, no mundo, nada existe de permanente, tudo o que se reúne está sujeito à separação. Não vos entristeçais, pois assim é o mundo. Esforçai-vos por obter a libertação. Eliminai as trevas da ignorância com a Luz da Sabedoria. O mundo é algo perigoso e incerto, sem nada de estável. Eu agora alcançarei a extinção como aquele que se livra de uma moléstia maléfica. Vou deitar fora o pior dos males, aquilo que se chama corpo e se encontra mergulhado no oceano da doença, da velhice e da morte. O sábio que destrói isso é semelhante àquele que mata um salteador. Essa destruição deve ser motivo de alegria.
Esforçai-vos sem cessar na prática que leve à libertação. Todas as leis imutáveis e mutáveis deste mundo são isentas de garantia de estabilidade.
Permanecei em silêncio. O tempo passa, e é chegada a hora de eu me extinguir.
Esse foi meu último ensinamento
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